Há muito, muito tempo guardo isso pra mim. Evito entrar no mérito da questão pelo simples motivo de que, por mais que eu esteja certo (e estou, não duvide), para os novos criadores de dogmas eu sempre estarei errado. Eu e uma corja de 'direitistas', 'reacionários', 'racistas' etc. para ficar nas ofensas acadêmicas.
Mas ontem foi a gota d'água. Estava eu na livraria, folheando uns livros, vendo o preço de CDs e DVDs (pela hora da morte) até que minha atenção se voltou para o nome de uma autora que gosto muito: Agatha Christie. O nome do livro era 'E não sobrou nenhum'. Até aí, nada demais. O estarrecedor era o que estava escrito em letras menores, quase como um subtítulo:
"Anteriormente publicado como 'O Caso dos Dez Negrinhos'".
Não, eu pensei. Deve haver um erro de redação aí. Talvez eles quisessem dizer "Publicado anteriormente a 'O Caso dos Dez Negrinhos'". Virei o livro e li a contracapa. Onde deveria haver:
"Dez negrinhos vão jantar enquanto não choveUm deles se engasgou e então ficaram nove"
Havia:
"Dez soldadinhos vão jantar enquanto não choveUm deles se engasgou e então ficaram nove"
Incrédulo, larguei o livro na prateleira e parei para pensar a que ponto chegamos.
Para quem não conhece, este é um dos romances de maior sucesso da escritora, cujo título é inspirado em uma historieta infantil inglesa, onde cada um dos negrinhos do título acaba morrendo de forma brutal até que... não sobra nenhum. Bom, não vou discutir a adequação deste poema a crianças, mas o fato é que, Agatha Christie usou-o, sim, como fonte de inspiração para sua obra-prima. Lançado com o título original 'Ten little niggers' em 1939, enfrentou resistência nos Estados Unidos já em 1940, quando recebeu o nome 'And then there were none' para entrar neste mercado. Na maioria dos outros países, no Brasil inclusive, traduziu-se o título britânico. Até o ano de 2009, quando a praga do politicamente correto resolveu que a censura é a melhor maneira de alçar uma causa ao sucesso.
A América da década de 40 (me corrija, Psicopata, se eu estiver errado) era um país onde o racismo era política institucional, e os primeiros e tímidos passos em direção à igualdade racial estavam sendo dados. Em um ambiente como aquele, seria natural que termos como 'nigger', que ainda hoje é considerado um xingamento por aquelas bandas, fosse banido. O que não justifica a mudança do título aqui.
Será que ser chamado de 'negro' no Brasil também é xingamento? Ainda não (por enquanto, e pra algumas pessoas), mas o fato é que nós estamos andando para trás e colocando em prática aqui o racismo institucional. Às avessas, mas pronto pra gerar o mesmo ódio e intolerância que este tipo de política sempre gerou. Todo dia a gente vê uma cota aqui, uma ação afirmativa ali, não raro patrocinado pelo governo. Sempre com o argumento de que é uma forma de reparar o mal causado pelas elites burguesas ao bravo negro trabalhador.
Levar isto à arte, no entanto supera largamente os limites do tolerável. Nosso 'Boi da Cara Preta' virou 'Boi do Piauí' em algumas escolas, sabiam? Escolas! Daqui a pouco vão queimar livros. Vai acontecer uma nova Revolução Cultural, uma Revolução Cultural Racial. Mas os afrodescendentes (o termo 'negro' será proibido) continuarão a receber olhares desconfiados por onde passarem e as piadas racistas continuarão a ser contadas pelas mesmas pessoas que defendem a política racialista. Porque não ter preconceito no papel é muito fácil. Na vida real é mais fácil ser hipócrita.
Aliás, que raios de defesa dos negros é essa em que tudo relacionado à raça deve ser suavizado? Será que ser negro é algo tão abominável que se faz necessário o uso de eufemismos? Ah, pelo amor de Deus. Pior é ver que essa tendência é mundial. Digo, ocidental, pois no oriente médio os judeus e os muçulmanos estão mais preocupados em se aniquilar.
A única coisa boa dessa história é que, só vendo tudo virado pelo avesso é que podemos perceber que, pelo avesso, somos todos iguais. Esse tipo de absurdo nos faz observar o óbvio. E a noção do óbvio é o que mais faz falta no momento.
2 comentários:
O reverso dessa situação: seria muito curioso, se de repente uma galera começasse a usar camisas "100% BRANCO". Ninguém vê isso por ai. E se surgir, vão achar que é coisa de racista.
Aff...
É o que eu falo, ser branco e homem (não homossexual) tá cada vez mais difícil nesse país. Existem leis e benefícios protegendo "afrodescendentes" (eu também sou um né, pergunte à Psicopata...), mas nenhuma para proteger o povo pobre em geral (negros, brancos, amarelos, etc) da omissão do governo na saúde, educação e segurança.
Já vi muito negro (negro mesmo) chamando outros negros de "preto safado" e outros termos que vocês já devem conhecer, além de se auto-afirmarem não-negros.
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