O legal de um blog multifacetado é a possibilidade de não repetir assuntos. Se dermos uma olhada, já falamos de música, de desenho, de carnaval, de reveillón, de anime... tudo isso em três semanas de vida. Que o rodízio continue!
Agora eu faço uma crônica sobre um personagem presente em muitos momentos dessa minha atual vidinha. Eu só disse presente, não fiz juízo de valores, hein.
A verdade é que eu sempre fui apaixonado por trens. Sempre vi na TV e em revistas os lugares maravilhosos cortados pela linha férrea. Acho que por causa disso o trem me remete a um clima bucólico e me lembra ecologia e desenvolvimento. Desenvolvimento sim, pois aprendi com um certo professor de Geografia que uma das maiores carências de infra-estrutura do Brasil é a malha ferroviária (você não presta(va) atenção na aula de Geografia???? Não brinca! ¬¬).
Logo, trem pra mim é a representação do que há de melhor no progresso.
Isso, claro, até entrar num Japeri-Central do Brasil às 7h da manhã.
Deixemos o romantismo de lado, portanto, e nos concentremos na realidade. Ou melhor, no choque de realidade (XD).
Meus passeios de trem na infância foram escassos. Geralmente, ia com um dos meus pais ao Zoológico da Quinta da Boa Vista. Certa vez fui a Madureira, e noutra, a Paracambi (que é bem legal, por sinal, pelo menos pra uma criança). Enfim, não era um usuário habitual.
Na mesma infância conheci o metrô, este sim, companheiro pra muitos passeios. De metrô visitei Copacabana, fui apresentado ao Centro do Rio (o melhor lugar do mundo, apesar dos pesares), tive meu primeiro encontro com o Catete (meu futuro lar, num futuro bem futuro mesmo rs). Aí a adolescência chegou, e com o metrô fui a lugares e eventos inesquecíveis, com as melhores companhias que alguém pode desejar, não é, Conspiração?
No metrô vivi momentos inesquecíveis também, momentos pra recordar... e para esquecer (¬¬).
Até que o sonho se desfez, o Rio Card Estudante, responsável pelo passe-livre, deixou de ser aceito e nós ficamos órfãos de meio de transporte.
Por conta disso vi meus trilhos cruzarem, de novo, com os do trem. Nas saídas com os amigos, ou na rotina diária de ir pra faculdade, lá estava na estação esperando o trem e a quantidade de gente que o dividia comigo. Gente de todo tipo, pra todos os gostos. Já vi gente jogando baralho, falando do vizinho, dormindo no meu ombro (sacanagem... quando a gente tem sorte de ir sentado, aparece uma figura dessas).
Tem ainda o pessoal que vai lendo o jonal Meia-Hora, e nessa hora eu aproveito pra tirar uma casquinha. O Meia-Hora custa R$0,50 e é composto basicamente de: tiroteios, novelas, BBB, futebol, fofocas e, como cereja no bolo, a Gata da Hora. Todo dia tem uma "gata" diferente, uma leitora fazendo pose sensual com seu melhor biquíni e um olhar do tipo: "Olha como eu sou sexy". Na legenda, a profissão, a idade e seus hábitos, sem contar a companhia do escudo com time do coração. Lamentavelmente (ironia, tá?) as botafoguenses são escassas rs.
Fáceis de encontrar no trem são também os vendedores ambulantes, apesar de a venda de quaisquer coisas ser proibida e coibida pelos fiscais da empresa. Tem de tudo no trem... e eu falo TUDO mesmo. Doces, salgados, bebidas, pregadores de roupa, benjamins, veneno pra rato, pomada para "todas" as enfermidades (UMA pomada que cura desde osteoporose até gonorréia), termômetro anal, enfim. Isso sem falar no profissionalismo dos vendedores. Simpáticos e prestativos, se você não tiver dinheiro na ida, ele marca pra te vender o produto na volta. É só dizer o horário.
Reparem no marketing do vendedor de... chapinhas para cabelo:
"Taí, na promoção, chapinha pra cabelo! Tô vendendo barato porque o caminhão com o carregamento virou e eu tava passando... na loja custa R$60, R$70... e eu tô aqui vendendo por R$30"... Empresários, se liguem, ele deve dar palestras!
Como se não bastassem os vendedores, você tem que prestar atenção em qual vagão entra, pois entre o segundo e o quarto - é na sorte mesmo - vão os evangélicos. Esses trabalhadores levam, além de seus utensílios habituais, uma bíblia, e celebram cultos, sim, em pleno vagão lotado, entoando cânticos e orações. Eles deviam ser tombados como patrimônio da humanidade, porque a idéia é muito genial. Quem é que não gostaria de passar 1h30 de viagem ouvindo o louvor dos crentes? É um culto democrático, onde fala quem quiser, canta quem souber e ignora quem conseguir (palmas pra quem consegue). Já fui num culto com direito a livro de orações e tudo. Claro que eu coloquei o meu nome (^^)
Os crentes têm fé, mas são cruéis. Só começam a celebração quando o trem fecha as portas, não dando aos desavisados (e pecadores) a oportunidade de escapulir pela tangente. Mas depois que o mal está feito, e você é obrigado a aturá-los pela viagem inteira, percebe que essa é uma belíssima manifestação (sem ironias dessa vez) feita por pessoas que à primeira vista não têm nada pra agradecer a Deus, mas o fazem e em conjunto.
Cultos no trem são tão fascinantes quanto irritantes.
E não só dentro do trem se encontra diversão. A espera por ele, na estação, também é maravilhosa. Certa vez, esgotado depois de um dia inteiro de trabalho, reparei que estava na plataforma errada... o trem se aproximou ao longe, e eu pude assistir à distância as pessoas pulando pela janela com o trem em movimento, outras correndo pelos trilhos (também estavam na plataforma errada) e grande maioria se espremendo pra conseguir um lugar sentado. O trem lotou em menos de dez segundos. Foi o tempo que eu levei pra sorrir, colocar minha mochila nas costas e sair na direção do ponto de vans.
Título do post inspirado na letra homônima de Raul Seixas